domingo, 4 de outubro de 2009

David e Golias na Mata Atlântica Catarinense

Mega-empreendimento voltado à produção de fertilizantes ameaça o meio ambiente em uma das mais belas regiões de Santa Catarina; interesses das multinacionais Bunge e Yara contam com apoio do governo federal, mas enfrentam resistência da população local

Eduardo BastosMoreira Lima

Santa Catarina é um Estado cujos atributos naturais valorizam sua geografia. Por outro lado, se desconsiderada a questão ambiental, esses mesmos atributos podem gerar conseqüências desastrosas para sua população. A estiagem e as chuvas que têm castigado o Estado, principalmente nas regiões litorâneas, os fenômenos climáticos enfim, podem ser resultado não apenas das questões naturais, mas também da intervenção do homem no meio ambiente. Para citar um exemplo, segundo o relatório elaborado pela Epagri-Ciram (órgão do governo estadual) sobre as chuvas ocorridas na região do Vale do Itajaí, no mês de novembro de 2008, teve como principal agente motivador a interferência humana no meio ambiente.

E como conciliar essas necessidades: a preservação, a necessidade de sustento e o desenvolvimento? Quais impactos sociais e econômicos isso pode trazer?

De maneira geral a agenda ambiental é um tema que envolve paixões, seja pela complexidade, pelas dimensões dos riscos embutidos, pelos interesses dos atores e segmentos sociais envolvidos e principalmente pelos reflexos presentes e futuros.

Devemos ter a clareza de que vivemos em uma sociedade de consumo, queiramos ou não temos que aceitar essa imposição. Contudo, o atual grau de consumo nos leva a buscar fontes de matéria-prima em locais onde, por vezes, há impedimentos ambientais, sejam eles legais, sejam por questões de ausência de tecnologia para prospectar os insumos.

Na tentativa de ao menos prever e elaborar medidas que venham a minimizar os riscos, a sociedade tem no estudo de impacto ambiental uma ferramenta importante de obtenção de dados, que servirá como uma avaliação preliminar, necessária para a realização de qualquer obra ou atividade que possam causar lesão ao meio ambiente, e que visa diagnosticar a viabilidade de sua realização, com a finalidade de evitar danos ou pelo menos compensar os problemas ambientais que possam decorrer da obra.

São, assim, instrumentos importantes para aplicação dos princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, princípios esses fundamentais a todos aqueles que almejam empreender e tem o meio ambiente como fonte de matéria-prima.

Todavia, por vezes, em função de interesses particulares, interesses políticos, de certos grupos de poder, os estudos podem ser negligenciados e significar no final um prejuízo não apenas à sociedade, mas também ao empreendimento, que poderá até mesmo não se efetivar.

O conflito em Santa Catarina

Como um possível exemplo, podemos citar o Projeto Anitápolis. Na cidade que dá nome ao projeto, que fica a 108 km a oeste da capital Florianópolis, está a única reserva de fosfato explorável no Sul do Brasil, segundo dados do Departamento Natural de Produção Mineral (DNPM). Atualmente as interessadas na execução do referido projeto são as multinacionais Bunge Fertilizantes S.A.(americana) e Yara Fertilizantes (norueguesa), cujo financiamento, de aproximadamente 3,2 bilhões de reais, está sendo ofertado pelo governo federal, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Como fatores justificadores ao Projeto Anitápolis está o de suprir o mercado regional de fertilizantes. Não se discute aqui a importância do fosfato, seja para a agricultura como corretivo de solos, seja para a pasta econômica. O que se questiona, no entanto, é: o empreendimento é ambientalmente sustentável? Existem outras alternativas? Se existem quais são? Quais os custos econômicos, sociais, ambientais e culturais? Sim, pois esses custos têm que ser mensurados antes mesmo do início da atividade, é uma questão de viabilidade.

E qual vem a ser o impedimento ao projeto? Primeiramente, o local em que se pretende implantar o Complexo de Fabricação de Superfostato Simples (SSP), incluída a extração de fosfato e a fabricação de ácido sulfúrico, está posicionado dentro do bioma de Mata Atlântica. Segundo, ao analisarmos os dados extraídos do próprio Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), saltam aos olhos suas implicações negativas no que se refere à perda da biodiversidade, à poluição hídrica (que poderá atingir cerca de 14,5% da bacia hidrográfica do rio Tubarão), além de impactos sociais, econômicos e na saúde e segurança da população não apenas da área do empreendimento. Os impactos decorrem do fato de a região em questão ser de topografia acidentada e caracterizada pela pequena produção rural e por atividades ligadas ao turismo ecológico – ainda que em estágio embrionário. No total o próprio EIA-Rima lista mais de 50 impactos negativos, muitos dos quais irreversíveis e imediatos.

Reação da sociedade

E como a sociedade está lidando com esse problema? Aliás, será que a sociedade já se perguntou por que somente agora tal projeto tomou essa proporção? Quais os interesses que estão por trás disso? São dúvidas pertinentes e que necessitam melhores esclarecimentos.

A primeira questão a ser respondida é que foi negada a toda sociedade um direito básico: o direito à informação. E, sem informação, não se tem condições de tomar a real consciência dos fatos e, a partir dela, questionar se determinado projeto é bom, ou é ruim, se irá trazer danos ou não. Sem respeitar e garantir o direito à informação, não se constrói o contraditório, não se cria a dúvida e não se permite a participação. Pior a impede e isso é nocivo a todo processo, tanto para a classe empresarial quanto para a sociedade.

Antes, é bom que todos tenham em mente fatos que estão ocorrendo em paralelo e que podem ter ligação com o licenciamento ambiental: até o fim de junho, o governo federal apresentará o detalhamento do Plano Nacional de Fertilizantes, uma consolidação da proposta do ministério da Agricultura, em conjunto com outras pastas, para a redução da dependência externa do país no setor.

Além disto, encontra-se em discussão a revisão do marco legal da mineração, com a proposta de atualizar o Código de Mineração e transformar o DNPM numa Agência Mineral.

Somado a esse fato, há também a necessidade das empresas que detêm a titularidade de lavra de determinado mineral iniciar a sua prospecção sob pena de ver esse direito caducar.

E qual a repercussão do licenciamento no Estado? É necessário divulgar, e embora esteja no EIA-Rima entregue pela Bunge/Yara, que aproximadamente 300 hectares de Mata Atlântica serão devastados para dar espaço à implantação da planta industrial. Isso é fato. A conseqüência disso no futuro, além dos danos ambientais, é a abertura de um perigoso precedente em Santa Catarina. Estado que inclusive foi palco – de forma pioneira e atendendo às pressões e interesses do setor produtivo, repetidas aliás em todo o Brasil – de mudanças recentes na legislação ambiental, tornada menos restritiva do que a do restante do país.

Por isso, a Associação Montanha Viva, por meio de seus advogados, protocolou no dia 05 de junho de 2009, Dia Internacional do Meio Ambiente, na Vara Ambiental Federal de Florianópolis – Seção Judiciária de Santa Catarina, Ação Civil Pública com pedido de liminar. Trata-se de feito civil público visando à proteção e defesa dos interesses difusos da coletividade. A ação objetiva em especial a manutenção no atual estado de conservação e preservação de área de preservação permanente situada em bioma de Mata Atlântica, sendo que o processo de licenciamento ambiental em trâmite contraria todos os dispositivos legais pertinentes ao tema. Além disso, coloca em risco não apenas o meio ambiente, mas também a saúde e a qualidade de vida dos habitantes de toda bacia hidrográfica do rio Tubarão e Complexo Lagunar.

Na ação pleiteia-se também a condenação das empresas requeridas em obrigação de não fazer, abstendo-se as mesmas de qualquer ato de construção, aterramento, modificação, terraplanagem, e/ou de quaisquer obras realizadas na construção e funcionamento do Complexo de Fabricação de Superfostato Simples (SSP), enfim, por sua desconformidade às legislações ambientais federal, estadual, e municipal em vigor.

E dando continuidade aos questionamentos dirigidos a vários órgãos federais e estaduais, iniciados em fevereiro de 2009, referentes ao processo de licenciamento ambiental do Projeto Anitápolis, a Associação Montanha Viva deu entrada no dia 19 de junho de 2009, na sede do BNDES, a pedido de esclarecimentos referente ao processo de financiamento concedido à Bunge e Yara, no valor de R$ 3,2 bilhões de reais, em função dos múltiplos compromissos e protocolos ambientais e sociais firmados pelos órgãos financiadores públicos.

A sociedade civil fez sua parte, e aguarda com grande interesse do desenrolar desta questão.

Advogado da Associação Montanha Viva

Nenhum comentário:

Postar um comentário